Tributar lucros sempre foi questão das mais importantes, estratégicas e sensíveis. No
Brasil, mais de 90% das empresas formais são tributadas pelo Simples Nacional 1 , que simplifica
bastante a apuração e pagamento de tributos. Com tanto a fazer pelo negócio, é provável que
essas empresas não se ocupem de questões sobre tributação de lucros. Contudo, que dizer da
tributação dos lucros das grandes empresas e das que desejam tornar-se grandes? Como
tributar os lucros quando a empresa atua em mercados internacionais? Como garantir
atratividade ao investimento e ao mesmo tempo preservar as receitas públicas? Seria melhor
tributar o lucro da empresa ou do empresário? Quais são as principais questões a considerar?
Antes de tudo, vale lembrar que tributar lucros 2 é uma das formas de tributar o capital.
Durante muito tempo, os especialistas debateram os argumentos para tributar (ou deixar de
tributar) lucros. O saudoso professor Richard Bird observou que a literatura econômica era
cética em relação à tributação do lucro empresarial, devido aos custos econômicos
substanciais, além de inúmeras distorções associadas a essa forma de tributar. Todavia, ele
mesmo contrapõe, dizendo que para o público em geral o imposto sobre o lucro empresarial
estaria entre os melhores tributos (BIRD, 2002) . Essa afirmativa é comprovada pela existência
do imposto de renda da pessoa jurídica na maioria dos países com certo grau desenvolvimento
econômico.
Dessa forma, a prática consagrou a tributação do lucro das empresas, mas cabe aos
países realizar suas escolhas para minimizar as distorções da tributação sobre lucros. Elas são
indesejáveis porque acarretam ineficiências alocativas. Há escolhas que se referem ao plano
interno e outras que se inserem no plano internacional. No plano interno, a opção por
constituir uma empresa pode ser afetada pelo fenômeno da dupla tributação econômica 3 i.e.,
quando os lucros sofrem tributação no nível da empresa e são tributados novamente quando
da distribuição à pessoa física. Surge então a necessidade de escolha entre manter esse
fenômeno, eliminá-lo ou mitigá-lo, adotando os países diferentes reações. O Brasil, por
exemplo, optou por isentar a distribuição de dividendos, mantendo a tributação no nível da
empresa.
Outra distorção surge da diferença de tratamento entre as origens do capital, se
próprio ou de terceiros. A tributação da pessoa jurídica pode afetar a escolha sobre como
financiar novos ativos e projetos empresariais, decisão que, em tese, deveria ser tomada
independente de motivos tributários. Os juros pagos por empréstimos são considerados
despesas dedutíveis, enquanto os dividendos pagos aos sócios e acionistas não o são. Por essa
razão, diz-se que a tributação do lucro das empresas privilegia o endividamento em
detrimento do aporte de capital próprio. No Brasil, os juros sobre o capital próprio tendem a
mitigar essa distorção, pois são tributados de modo semelhante aos juros de empréstimos. Há,
entretanto, muita discussão a respeito dos juros sobre o capital próprio, que não vamos
aprofundar agora.
Ainda no plano interno, é preciso definir as taxas de depreciação, que influem
significativamente sobre o retorno ao investimento. Se fosse possível depreciar cada bem pela
sua real perda de valor (depreciação econômica), não haveria distorção. Contudo, não sendo
isso possível, a lei estabelece percentuais para depreciação por categorias de ativos. Em tese, a
tributação de lucros favorece a aquisição de bens de longa duração em detrimento dos bens
de curta duração, cuja depreciação legal se dá em maior tempo que o seu tempo de vida útil.
O tratamento para a inflação, a concessão de incentivos para investimentos e os critérios para
liberação de estoques são ainda outros pontos de relativa complexidade a considerar em um
sistema de tributação de lucros.
1 O Simples Nacional abrange diversos tributos, como IRPJ, CSLL, PIS/Pasep, Cofins, IPI, ICMS, ISS e a
Contribuição para a Seguridade Social destinada à Previdência Social a cargo da pessoa jurídica (CPP).
2 No Brasil, tributos sobre lucros são o imposto de renda da pessoa jurídica (IRPJ) e a contribuição social
sobre o lucro líquido (CSLL).
3 Outro possível sentido para “dupla tributação econômica” dá-se quando o lucro de entidades
vinculadas é tributado por duas jurisdições diferentes.
Mas é no plano externo que a complexidade desse sistema aumenta
significativamente. O fenômeno da dupla tributação jurídica emerge quando duas jurisdições
se avocam o direito de tributar o lucro ou a renda de um mesmo contribuinte. Para evitá-lo, as
convenções modelo para evitar a dupla tributação da OCDE e da ONU fixam regras que servem
aos diversos tratados bilaterais firmados entre países. Ultimamente, essas regras se
mostraram ineficazes e muitos países adotaram soluções unilaterais, potencialmente
distorcivas. A situação se agravou nos últimos anos e a necessidade de reforma do sistema
internacional de tributação de lucros foi apontada em publicação do Fundo Monetário
Internacional (MOOIJ, KLEMM, & PERRY, 2021) , que reconheceu as grandes transformações
mundiais após o advento da Internet.
Em breves palavras, as bases do sistema internacional de tributação derivam de
conceitos firmados desde a época da Liga das Nações (1920), consagrando os princípios de
fonte e residência. Após a crise do subprime de 2008, as fragilidades foram se tornando
evidentes ao grande público. Diversas empresas multinacionais e pessoas físicas foram alvo de
escândalos por deixar de pagar impostos. O projeto BEPS, da OCDE, apontou, em 2015,
recomendações corretivas, que foram adotadas pelo G20. Na fase pós-BEPS, medidas
antielisivas foram largamente adotadas, destacando-se a Diretiva Antielisiva da União Europeia
(ATAD – Anti-Tax Avoidance Directive) de 2016. Mais recentemente, a tributação da economia
digital foi alvo das muitas discussões do Inclusive Framework, que culminou com as
recomendações para mudanças, os Pilares 1 e 2. Essas novas regras fragilizam os antigos
princípios de tributação internacional. A rapidez das mudanças tecnológicas indica que um
novo sistema de tributação internacional está em construção.
Portanto, para mitigar distorções que afetem o investimento e as receitas do governo,
um sistema de tributação de lucros requer também o exame de questões externas, tais como:
a neutralidade de exportação de capitais (CEN) e a neutralidade de importação de capitais
(CIN) são prioritárias? há tratamento diferenciado entre o investimento doméstico e o
estrangeiro? qual seria a forma de divisão da base tributária para países com e sem tratado
para evitar a dupla tributação? como orientar a política desses tratados? quais
stakeholders devem sentar-se à mesa para sua formulação? o uso de retenção na fonte
como medida unilateral, até que ponto é recomendável? a tributação sobre serviços
digitais é eficaz? que política adotar com relação a preços de transferência? e tax
sparing?
De certo, uma legislação doméstica para tributação de lucros não é estática e deve
considerar tanto aspectos internos quanto externos. O desafio está em gerenciá-la visando aos
interesses estratégicos do País, tendo balanceadas as visões das empresas, da população e dos
investidores.
Referências
BIRD, R. (2002). Why Tax Corporations? Bulletin, IBFD, pp. 194–203.
MOOIJ, R., KLEMM, A., & PERRY, V. (2021). Corporate Income Taxes Under Pressure; Why reform is needed and how
it could be designed. Washington D.C.: FMI.
Por Aloísio Flávio Ferreira de Almeida