Split Payment e o Fluxo de Caixa das empresas na Reforma Tributária Brasileira

Em meio à mais ampla reestruturação do sistema tributário brasileiro das últimas décadas, o conceito de Split Payment surge como uma peça-chave para dar forma a um novo ciclo de arrecadação – mais digital, rastreável e, em teoria, mais justo. Aprovado pela Emenda Constitucional nº 132/2023, com implementação prevista a partir de 2026, o novo modelo busca não apenas reorganizar os tributos sobre o consumo, mas também transformar a lógica da cobrança, do controle e do crédito fiscal. Nesse contexto, o Split Payment ganha relevância por representar uma mudança profunda na forma como o imposto é pago nas transações comerciais.

Ao lado do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), o Split Payment compõe a espinha dorsal do modelo conhecido como IVA Dual, no qual a tributação passa a ser feita de maneira coordenada entre União, estados e municípios. Enquanto o IBS e a CBS redesenham o que será cobrado, o Split Payment muda o como, reposicionando o pagamento do tributo como um processo automático, direto e vinculado à própria operação de venda.

O QUE É E COMO FUNCIONA O SPLIT PAYMENT?

Na prática, o Split Payment — ou pagamento fracionado — introduz uma mudança estrutural no modo como os tributos sobre o consumo são recolhidos no país. Em vez de depender do repasse posterior feito pelo vendedor, como ocorre hoje, o novo modelo prevê a separação automática do valor do imposto no momento da transação comercial. Isso significa que o montante referente ao tributo deixa de passar pela empresa e é destinado diretamente ao ente federativo correspondente.

A lógica é simples: se hoje o imposto circula junto com o valor da venda, dependendo do posterior recolhimento pela empresa, com o Split Payment o próprio sistema financeiro faz essa divisão. O valor líquido da operação vai para o fornecedor; a parte correspondente ao tributo segue automaticamente para o Fisco.

Para viabilizar esse mecanismo, a operacionalização será totalmente digital. A expectativa é que a segregação do pagamento ocorra de forma integrada à emissão da Nota Fiscal eletrônica (NF-e), cruzando informações com plataformas de pagamento como PIX, boletos, cartões e transferências bancárias. O processo envolverá o chamado “motor de apuração”, uma ferramenta que calculará e distribuirá os tributos em tempo real, com base nos dados da nota e nas regras tributárias aplicáveis.

O IMPACTO NO FLUXO DE CAIXA DAS EMPRESAS

Embora o Split Payment prometa maior segurança arrecadatória e redução da sonegação, seu efeito colateral direto recai sobre o capital de giro e a gestão de caixa das empresas – especialmente das micro, pequenas e médias, que frequentemente dependem de vendas a prazo e possuem menor capacidade de capitalização.

O principal impacto é o descasamento entre o momento do pagamento do tributo e o recebimento do valor da venda. Com o Split Payment, o tributo é recolhido instantaneamente, no momento da transação, mesmo que a venda seja a prazo. Isso força o fornecedor a adiantar o pagamento do tributo antes de receber o valor integral da venda.

Se uma empresa vende R$ 100.000,00 em mercadorias parceladas em quatro vezes, com alíquotas combinadas de 25% (IBS + CBS), o tributo devido é de R$ 25.000,00. Pelo modelo atual, ela recolheria esse valor no mês seguinte, após já ter recebido parte do pagamento. Com o Split Payment, os R$ 25.000,00 são segregados de imediato, embora o fornecedor só vá receber os R$ 100.000,00 em quatro parcelas ao longo de quatro meses. Nesse caso, o fornecedor deixa de receber 25% do valor total logo na origem, comprometendo a liquidez da operação e reduzindo em igual proporção o capital de giro disponível para reinvestimento.

Esse descompasso pode gerar uma série de desafios para as empresas:

• Redução do capital de giro: a antecipação do tributo diminui os recursos disponíveis para honrar compromissos de curto prazo;
• Necessidade de financiamento: empresas com menor fôlego financeiro podem ser forçadas a recorrer ao crédito bancário, reduzindo sua margem de lucro;
• Perda de competitividade: a necessidade de antecipar o tributo pode levar as empresas a restringirem os prazos de pagamento oferecidos aos clientes, diminuindo sua competitividade.

Portanto, a transição para esse modelo demandará maior planejamento financeiro e, possivelmente, políticas de crédito específicas voltadas às empresas com menor capacidade de capitalização.

DESAFIOS E RISCOS DA IMPLEMENTAÇÃO

A efetividade do Split Payment dependerá não apenas da legislação complementar, mas também da capacidade tecnológica do Estado e das instituições financeiras de processar milhões de transações em tempo real. Além disso, outros desafios e riscos precisam ser considerados:

• Complexidade dos meios de pagamento: a diversidade de instrumentos de pagamento utilizados no Brasil (cartões, boletos, PIX, etc.) torna a integração com o sistema de segregação tributária um grande desafio tecnológico e normativo;
• Restituição de tributos: o recolhimento automático aumenta o risco de retenção indevida de valores. É essencial que a devolução desses montantes ocorra de forma ágil e previsível, para não prejudicar o caixa das empresas;
• Custos operacionais: a adaptação tecnológica e a reestruturação dos processos internos podem gerar custos significativos, especialmente para empresas de menor porte.

CONCLUSÃO

Em síntese, o Split Payment é um avanço importante rumo à modernização tributária brasileira, mas seu sucesso dependerá da calibragem entre eficiência fiscal e sustentabilidade financeira das empresas. O desafio está em equilibrar o controle do Fisco com a preservação da liquidez empresarial – elemento essencial para o crescimento econômico e a manutenção do emprego.

REFERÊNCIAS

THOMSON REUTERS. Split Payment: entenda o novo modelo tributário do Brasil. São Paulo, 2025. Disponível em: https://www.thomsonreuters.com.br/pt/tax-accounting/onesource-mastersaf/blog/split-payment-reforma-tributaria.html. Acesso em: 14 out. 2025.

FENACON. Os possíveis impactos do Split Payment no fluxo de caixa nas vendas a prazo. Brasília, 2025. Disponível em: https://fenacon.org.br/reforma-tributaria/os-possiveis-impactos-do-split-payment-no-fluxo-de-caixa-nas-vendas-a-prazo/. Acesso em: 14 out. 2025.

LinkedIn: Matheus Rodrigues

Conheça mais sobre o autor:

A Faculdade Brasileira de Tributação não se responsabiliza pelo conteúdo expresso neste artigo. As opiniões e informações apresentadas são de total responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, a posição ou os valores da instituição. Recomendamos que os leitores considerem, criticamente, as informações aqui contidas.

Sobre a FBT

A FBT é a primeira e única faculdade, no Brasil, especializada e focada na área tributária.

Oferecemos cursos de graduação e pós-graduação EAD regulados pelo MEC pela Portaria nº 806 de 8/10/2020.

Últimas Postagens

A Faculdade Brasileira de Tributação não se responsabiliza pelo conteúdo expresso neste artigo. As opiniões e informações apresentadas são de total responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, a posição ou os valores da instituição. Recomendamos que os leitores considerem, criticamente, as informações aqui contidas.

Assine a nossa Newsleter

Fique por dentro de todas as notícias da FBT

Split Payment e o Fluxo de Caixa das empresas na Reforma Tributária Brasileira

Imagem
Maximum file size: 100 MB