Na última quinta-feira (11/09/2025), tive a oportunidade de ouvir o Professor Eurico Marcos Diniz de Santi em evento da OAB/SP, subseção de Pinheiros, sobre a reforma tributária, no evento II Congresso da Reforma Tributária da OAB/SP. Esse grande idealizador da reforma lembrou algo que particularmente eu julgo fascinante: diferente da tradição de nosso sistema tributário atual, em que a legislação é produzida e depois se pensam nos princípios, a reforma teve sua produção legislativa orientada para realizar princípios previamente concebidos. É como se fosse, pensei eu, uma cidade planejada, que se distingue daquelas que vão nascendo espontaneamente sem um plano orientador.
Os “princípios fundantes” pensados pelo Centro de Cidadania Fiscal – CCFI para a reforma tributária, explicou o Professor, seriam a simplicidade, transparência, neutralidade e isonomia. A esses princípios foram pensadas “regras fundantes” que seriam a base ampla, a lei única, a alíquota uniforme, a alíquota por fora, o crédito amplo, a não-incidência na exportação e investimento e a transição sem aumento de carga tributária.
Após essa idealização fundante, uma vez editadas as normas positivadas no sistema, o Professor Eurico mencionou que foram concretizados os “princípios estruturantes” e “regras estruturantes” que foram inspirados nos “princípios fundantes” e “regras fundantes” a que nos referimos.
Designou os primeiros de simplicidade, transparência, cooperação, neutralidade, não-cumulatividade, justiça fiscal e meio ambiente. E as regras estruturantes, baseadas nesses princípios, seriam a lei única criando os tributos, a alíquota uniforme, a alíquota por fora, o “documento fiscal único”, o crédito amplo, a não-incidência sobre investimentos e exportações, o federalismo cooperativo e a transição sem aumento e carga tributária.
Muito bem. A partir desses “inputs” mencionados na inspiradora palestra, eu sigo o presente artigo buscando identificar tais fatores nos textos da Emenda Constitucional n. 132/23 e da Lei Complementar n. 214/25.
Assim, de início é possível apontar os “princípios estruturantes” que podem ser facilmente encontrados no texto do §3º do artigo 145 c/c §1º do artigo 156-A da Constituição, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 132/23. Esses princípios são a simplicidade, a transparência, a cooperação, a neutralidade, a não-cumulatividade, a justiça fiscal e o meio ambiente. Vamos buscar associar esses princípios às “regras estruturantes” colhidas no texto legislativo.
Assim, por exemplo, a simplicidade é concretizada por um único veículo legislativo que institui o Imposto Sobre Bens e Serviços e a Contribuição Sobre Bens e Serviços, tal como empreendido pela Lei Complementar n. 214/25. Essa exigência de único veículo normativo para criação dos dois tributos é prevista, aliás, no parágrafo único do artigo 124 da ADCT.
Ao mesmo tempo, a ampla base de incidência do IBS e da CBS, frente a uma base fragmentada do sistema anterior, reforça tal noção de simplicidade. O inciso I do §1º do artigo 156-A do Texto Constitucional, que determina que o IBS “incidirá sobre operações com bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou com serviços” e o inciso II que diz que “incidirá também sobre a importação de bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou de serviços realizada por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja sujeito passivo habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade” garantem, constitucionalmente, a regra estruturante da base ampla.
A ideia de transparência é reforçada com a noção de que o IBS e CBS são cobrados por fora e não compõem sua própria base de cálculo. Tal previsão é explícita no inciso IX do §1º do artigo 156-A do Texto Constitucional.
Além disso, o IBS possui alíquotas uniformes em cada Ente, salvo as exceções autorizadas constitucionalmente, o que é previsto no inciso VI do §1º do artigo 156-A da Constituição.
Já o primado da cooperação pode ser identificado, por exemplo, na previsão dos §3º artigo 60 da Lei Complementar n. 214/25 que determina que para fins do IBS e da CBS, as administrações tributárias responsáveis pela autorização ou recepção de documentos fiscais eletrônicos observarão a forma, o conteúdo e os prazos previstos em ato conjunto do Comitê Gestor do IBS e da RFB.
Já o §4º do mesmo dispositivo, dispõe que os documentos fiscais eletrônicos relativos às operações com bens ou com serviços deverão ser compartilhados com todos os entes federativos no momento da autorização ou da recepção, com utilização de padrões técnicos uniformes.
Sobre a neutralidade, pro sua vez, é possível pensar na noção de crédito amplo que ampara a não cumulatividade, salvo a exceção do uso e consumo que, segundo a referida palestra do Professor Eurico Marcos Diniz de Santi, foi instituída para se evitar a fraude de se adquirir bens por pessoas jurídicas para se evitar a incidência do tributo. O Professor Eurico também lembrou das regras que reforçam a neutralidade, da imunidade conferida à exportação – prevista no inciso III do §1º do artigo 156-A do Texto Constitucional – e da desoneração de investimentos.
Sobre essa última questão, digo eu, a Emenda Constitucional n. 132/23, no inciso V, do §5º do artigo 156-A da Constituição, atribuiu a lei complementar determinar a forma de desoneração da aquisição de bens de capital pelos contribuintes, que pode ser implementado por meio de crédito integral, diferimento ou redução de 100% (cem por cento) das alíquotas do imposto.
A Lei Complementar n. 214/25 trata dos bens de capital justamente nos artigos 105 a 111, prevendo a manutenção do Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária (Reporto), do Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (Reidi) e do Regime Tributário para Incentivo à Atividade Naval – Renaval.
A referida Lei Complementar busca assegurar, também, o crédito integral do IBS e CBS na aquisição dos bens de capital – observadas as regras da não-cumulatividade – facultando, porém, a ato conjunto do Poder Executivo da União e do Comitê Gestor do IBS definir hipóteses em que importações e aquisições no mercado interno de bens de capital por contribuinte no regime regular serão realizadas com suspensão do pagamento do IBS e da CBS, não se aplicando a hipótese de creditamento amplo na aquisição.
Sobre a desoneração de bens de capital, a Lei Complementar n. 214/25 prevê, ainda, alíquota zero no fornecimento e na importação de tratores, máquinas e implementos agrícolas destinados a produtor rural não contribuinte e de veículos de transporte de carga destinados a transportador autônomo de carga pessoa física não contribuinte. Avancemos.
Outra regra estruturante seria o “federalismo cooperativo”. Aqui, diria eu, o PLP 108/24 é bem significativo. No relatório do Excelentíssimo Senador Eduardo Braga é possível identificar importantes aspectos que gostaríamos de mencionar.
Assim, por exemplo, é prevista a solução de consulta conjunta pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil e pelo Comitê Gestor do IBS. Essa medida é salutar, pois a harmonização do IBS e da CBS é relevantíssimo para se garantir uma efetiva simplicidade.
Foi previsto, também, um Programa Nacional de Conformidade Tributária – PNCT que tem como intuito integrar regimes de conformidade do IBS e da CBS. A PLP 108 traça diretrizes gerais do programas que deverá ser criado por lei específica. De qualquer forma, a harmonização é relevante para se garantir previsibilidade.
Lembremos, também, que por meio do Comitê Gestor do IBS, Estados, Distrito Federal e Municípios editarão o Regulamento do IBS, e uniformizarão a interpretação e aplicação do imposto; arrecadarão o imposto, efetuarão compensação, entre outras funções. Essa atuação cooperativa é importante para garantir segurança jurídica e simplicidade.
O PLP 108/24, por sua vez, prevê que o Comitê Gestor do IBS, em conjunto com a administração federal, deverá harmonizar normas, interpretações, obrigações acessórias e procedimentos relativos ao IBS e CBS. Lembremos que o PLP 108/24 deve ser apreciado para sua conversão em Lei Complementar.
Há diversos outros exemplos que poderiam ser apontados, mas essa necessidade de harmonização do IBS e CBS e cooperação entre os Entes é fundamental para o êxito da reforma. Se o IBS e a CBS efetivamente tiverem o mesmo regime jurídico – e os desafios são intensos – a simplicidade será fortalecida. O que preocupa, porém, é o eventual processo administrativo e judicial se concretizar em tribunais distintos, ainda que com mecanismos de uniformização. O tema, porém, é rico, e merece artigo a parte.
Por fim, outra regra estruturante que o Professor Eurico Marcos Diniz de Santi lembrou foi a da transição sem aumento de carga tributária. Sobre esse aspecto, lembro que a Emenda Constitucional n. 132/23 e a Lei Complementar n. 214/25 possuem regras para que as chamadas alíquotas de referência – alíquotas criadas por Resolução do Senado que poderão ser adotadas pelos Entes Tributantes – sejam fixadas para garantir a manutenção de carga tributária durante o período de transição.
Eu particularmente, não me canso de ouvir sobre a importância dos princípios da reforma tributária e como influenciaram a confecção de regras. Creio que o sucesso da reforma dependerá da efetiva realização desses princípios. Cabe a nós, que pertencemos à comunidade jurídica, termos em mente tais diretrizes a fim de que sejam, efetivamente, concretizadas no mundo da vida.