Considerações sobre a Reforma Tributária

Aloisio Flavio Ferreira de Almeida

Recentemente, a Câmara dos Deputados aprovou a PEC 45, a tão esperada Reforma
Tributária. O texto unifica os tributos sobre o consumo, deixando para lei complementar a
criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência da União, que reunirá os
tributos federais PIS, Cofins e IPI, e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que irá integrar o
ICMS, de competência dos estados, e o ISSQN, de competência municipal, a ser gerido por um
Conselho Federativo com representantes dos estados e dos municípios. Foram cerca de 30
anos de debates para se chegar a um texto, que ainda será apreciado no Senado Federal.
Depois, a discussão da lei complementar servirá para definir os pontos que ficarem em aberto.
O texto também prevê a criação de um imposto seletivo de competência da União, que incidirá
sobre bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.

Após o anúncio da aprovação na Câmara, muitos me perguntam se a reforma é boa ou
ruim. Eu diria que há méritos no texto, mas também pontos que precisam ser refinados. A
reforma do sistema tributário é assunto demasiadamente técnico, mas que têm grande
repercussão no bolso de todos nós. O grande mérito do texto aprovado na Câmara é a
unificação dos tributos sobre o consumo, cuja base está repartida no Brasil, parte com a União
(IPI, PIS, Cofins), parte com os estados (ICMS) e parte com os municípios (ISSQN). Essa
fragmentação descoordenada gera distorções e ineficiência na alocação de recursos. Os custos
de cumprimento das obrigações tributárias tornam-se elevados, as empresas se deparam com
legislações diferentes de ICMS e ISSQN, considerando os 26 estados mais o Distrito Federal e
os mais de 5.500 municípios. A guerra fiscal, que levou estados e municípios a concederem
incentivos desproporcionais, tudo isso já foi objeto de muitos estudos, os problemas são
conhecidos e não é o caso de repeti-los aqui. A unificação dos tributos sobre o consumo,
legislação uniforme e a adoção do princípio do destino são alguns dos méritos do texto
aprovado na Câmara e podem solucionar boa parte dos problemas. Além disso, o IBS daria
mais uniformidade no tratamento entre mercadorias e serviços, pois é notória a tendência de
ampliação da base de serviços desde a Constituição de 1988, sem que o tributo
correspondente, o ISSQN, de competência dos municípios, pudesse garantir receitas e
uniformidade legislativa, como seria desejável. Unificar a base consumo é a solução lógica
contra a fragmentação e a criação do IVA é bastante plausível, considerando ser o tributo
sobre o consumo de base ampla mais adotado no mundo.

Entretanto, o diabo mora nos detalhes. Há pontos do texto que devem ser discutidos
antes da versão final. Em primeiro lugar, a transição lenta, prevista para ocorrer em 10 anos.

Durante os anos de transição, os contribuintes terão que cumprir as normas dos atuais e dos
novos tributos, ou seja, vislumbra-se aumento de complexidade e de custos de cumprimento
pelos próximos anos. Isso possivelmente eliminaria as vantagens da reforma quanto à
simplificação e redução de custos durante a transição. Se a busca pela competitividade dos
produtos brasileiros passa pela necessidade de se ter um IVA, forçoso dizer que estamos
atrasados, pois quase todos os países do mundo já o adotam, e ainda levaremos vários anos
para chegar lá. Em época da revolução digital, uma transição lenta agrava a preocupação pela
obsolescência do sistema tributário. Nada indica que haverá mais segurança jurídica e menos
litígios, durante a transição. Ao contrário, contribuintes que se sintam prejudicados com
quaisquer aspectos das novas normas provavelmente irão recorrer à Justiça e a insatisfação
com o sistema tributário pode aumentar em vez de diminuir. Outro ponto é que as alíquotas
não foram fixadas e a incerteza sobre custos permanece. Frise-se, porém, que as empresas do
Simples serão pouco afetadas. Para dirimir essas incertezas, seria desejável que as autoridades
trouxessem à baila a simulação desses cenários e dos impactos sobre as empresas, durante e
após a transição.

A criação de fundos e do Conselho Federativo são outros pontos a refletir. Esse
Conselho é justificado pelo relator como necessário para a uniformidade do IBS. No entanto, é
ainda obscuro como essa nova estrutura de poder irá se relacionar com os entes federados e
suas respectivas administrações fiscais. Certamente, esse será um tema de grande debate no
Senado Federal. Com relação ao Fundo Nacional para Desenvolvimento Regional (FNDR) e do
Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais, ambos prevendo aportes da União para os
estados, em que pese a necessidade de redução de desigualdades na Federação, seria
importante que o texto contemplasse medidas de accountability para que a aplicação desses
recursos seja conhecida e alterada, se necessário, quando reconhecidamente não tenham
atingido os fins colimados. No blog anterior, tratei dos critérios para desenho de transferências
intergovernamentais. Os novos fundos, que terão recursos da União (ou seja, de todos os
contribuintes) para aplicação em determinados estados, deveriam ser aprovados somente
após fixar metas e estabelecer as métricas de mensuração. O comprometimento de receitas
futuras da União é outro ponto frágil, pois além de trazer dificuldades para futuros governos,
sabe-se que a situação fiscal da União não tem sido confortável. Finalmente, a proposta
aprovada perde a oportunidade de revisar todos os benefícios fiscais. Afinal, se o benefício
fiscal aplicado durante anos não foi suficiente e precisa ser postergado repetidamente, há pelo
menos um indicativo de que o recurso público poderia ter recebido melhor destinação.

Em resumo, o texto trouxe avanços importantes, mas ainda há espaço para melhorias.
A discussão continuará no Senado Federal e poderá receber mais contribuições quando da
elaboração da lei complementar. O momento é importante para que contribuintes se
informem e busquem a melhor posição nesse tema crucial para empresas e consumidores.

A Faculdade Brasileira de Tributação não se responsabiliza pelo conteúdo expresso neste artigo. As opiniões e informações apresentadas são de total responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, a posição ou os valores da instituição. Recomendamos que os leitores considerem, criticamente, as informações aqui contidas.

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